segunda-feira, 16 de março de 2009

Declinio... Parte II

Quando o mais imponente e bravo navio bárbaro aportou na praia deserta da ilha de Vassur, ainda havia claridade embora o sol não visitasse essas terras já há algumas semanas. O Unter Ox, o navio do general Aelle fora o único a ter permissão para ancorar na ilha. Todo o restante da frota baixou ancoras ao redor da praia enquanto aguardava permissão. Fui o primeiro a saltar na areia fofa e branca da nova terra. O restante de meus irmãos saltaram e correram como loucos. Faziam meses que não pisávamos em terra firme, os bárbaros eram um povo criado no oceano, mesmo assim, nada compensa o prazer de estar no chão.
Bors foi o ultimo a descer, parou ao meu lado enquanto vestia o peitoral de sua armadura de batalha e afivelava o cinto que prendia seu machado de uma mão na cintura.


- Calmo não é? – perguntou ele sério enquanto olhava ao redor. A praia estava deserta, a floresta que se estendia a frente era densa e ao norte se via o início da cadeia de montanhas que protegia a fortaleza. Enquanto eu observava a floresta, Onir, o segundo homem de confiança de Aelle se aproximou de Bors com os mesmos olhos frios e sem sentimentos que sustentava durante todo o dia.
- Onde esta a recepção? – perguntou a Bors enquanto prendia uma longa e curva espada com pontas na bainha – Aelle não deveria ter mandado alguém?
Bors continuava a olhar sem preocupação para a praia desabitada. Quando pareceu satisfeito, pegou seu outro machado encostado na lateral do navio, jogou sobre o ombro e olhou para o preocupado Onir.
- Mande que esse bando de macacos voltem ao navio e se armem, Tem alguma coisa aqui que não esta me parecendo muito certo.
Onir acenou com a cabeça e foi em direção ao grupo que se atirava ao mar e depois corria de volta para a areia como se fossem um grupo de crianças visitando a praia. Quem olhasse naquele momento, não acreditaria que se estava diante da elite mais mortal de guerreiros, O regimento de Aelle.
O mar jogava suas ondas sobre o casco cravado na areia enquanto o vento parecia não querer parar. Eu havia me sentado no chão ao lado de Bors, que permanecia em pé com o machado no ombro e os olhos fixos na colina.
- Você não acha que se fossem nos fazer uma emboscada, viriam por entre as árvores dessa floresta? – Bors perguntou sem me olhar, os olhos pareciam travados em um alvo a ser abatido
- Acho que seria a forma mais efetiva senhor – respondi calmo, sabia que aquilo era uma avaliação – seria mais silencioso e rápido se estivessem nos esperando no meio da floresta. O único local sem ser por entre as árvores, seria vindo a cavalo por detrás da colina – apontei para onde Bors olhava tão friamente.
- Concordo, eles viriam em um bando maciço, em formação de linha.
- Seria o melhor a se fazer senhor. Mas por outro lado, se viessem por ela, teríamos tempo de fechar a formação de defesa, ou recuarmos para dentro do navio e destruí-los com nossas flechas.
Bors me olhou e sorriu pela primeira vez. Foi o primeiro e um dos poucos gestos de aceitação que o vi demonstrar até hoje. Bors gostava de poucas pessoas, respeitava menos ainda e não temia nenhuma. Naquele dia eu vi o quanto havia aprendido ao lado daquele gigante mouro.
- Você me saiu melhor do que imaginei Sr. Ariell. Quando tiver sua primeira batalha, quando matar seu primeiro homem, não esqueça de nada do que aprendeu comigo. Aelle tinha razão, você esta fadado a ser um grande guerreiro.
A única coisa que pude fazer foi sorrir. O homem que aprendi a admirar e respeitar estava me reconhecendo. Mal podia esperar pela hora em que empunharia minha espada e passaria com força e firmeza pela armadura de um guerreiro.
- Então é isso garoto – Bors me olhou novamente, mas agora da mesma maneira fria com que havia me acostumado – A hora de nossa primeira batalha nunca demora tanto quanto pensamos, esse é o lado bom, não temos tempo para ficar ansiosos. Agora volte para o navio e pegue minha espada curta em minha cabine. Chegou a hora de mostrar o que aprendeu.
Quando olhei novamente para as colinas elas já não estavam mais como antes. Tudo havia se transformado em uma massa negra e metálica que se movia rasteira e rápida. Um enxame de pelo menos 500 cavaleiros vinha em nossa direção.
- Corra Ariell, estamos sendo atacados!

Naquele momento tudo pareceu acontecer mais devagar . Os homens que corriam na areia se apressavam em pegar armas e escudos enquanto Bors e Onir, armados e prontos para a batalha, formavam uma linha de combate de apenas dois homens. A massa prateada de soldados e cavalos descia rápido a encosta do morro e mais guerreiros vinham se juntar aos dois homens que mantinham a posição. Não sei ao certo quanto tempo levei até que pudesse voltar a praia, corri como nunca pelos corredores estreitos e escuros do navio, arrombei a chutes a cabine de Bors que estava trancada e encontrei a espada em cima de um baú de madeira dourada em que ele guardava os saques que acumulava em batalha. Quando apanhei a espada senti que podia matar, havia sido treinado para isso, ainda não era um guerreiro completo, mas aquele era o momento de saber o que havia aprendido até ali. Afivelei a bainha da espada no cinto e corri para fora, fui em direção a batalha. Quando alcancei o convés já podia ouvir o som da guerra, Aelle me disse uma vez o quão intenso são as cenas de um combate, o tilintar de metal contra metal, os gritos de fúria e dor que se confundem, o cheiro de sangue e suor que se misturam. No instante em que parei na amurada do convés entendi porque o exército bárbaro é temido em todas as terras de além mar. Bors e Onir lideravam uma formação de defesa perfeita para se enfrentar um ataque a cavalo, os homens permaneciam imóveis, a parede de escudos se fechava acima das cabeças e firmes suportavam as investidas do inimigo. A idéia de uma formação fechada como era chamada, era aguardar a abertura do inimigo, nem todos os cavalos se comportam da mesma maneira, lutar contra cavalos de guerra poder ser perigoso, desde que seu cavaleiro saiba guiá-lo da maneira correta. A massa de cavaleiros corria em círculos contra nosso exército descendo espadas e lanças contra escudos rígidos que se cerravam uns contra os outros. Tudo parecia estar perfeito, deveria haver naquela praia, quase seis inimigos para cada um de nós, mesmo assim, os bárbaros agiam em harmonia, defendiam-se e aguardavam o momento em que os cavalos iriam desfazer a formação. Bors se mantinha agachado com o escudo sobre o elmo negro, não se movia e nem gritava, a mente afiada de guerreiro estava trabalhando, e o bárbaro apenas observava a movimentação dos cavaleiros inimigos.


- Está na hora Bors – berrou Onir ao lado do guerreiro negro – vamos pra cima deles na próxima investida. Eles estão desfazendo a formação.
- Não!!! Segure os homens, eles querem que pensemos isso.
Onir segurava o apoio do escudo que era atacado por cima e mesmo assim mantinha firme o braço levantado. No instante em que mais um ataque atingiu a formação de defesa bárbara, o homem atrás de Bors tombou gemendo enquanto segurava o elmo partido por uma espada.
- Nossos homens não vão agüentar muito tempo Bors, precisamos atacar!!!
- Fique onde está Onir, sou eu quem comanda estes guerreiros, sou eu que diz quando iremos atacar – Urrou Bors enquanto protegia com o escudo, o flanco desprotegido do homem ao seu lado – Eles querem que ataquemos, ainda não estão fora de formação.
Onir continuou olhando Bors com olhos finos e selvagens. O grupo de cavalos e guerreiros assassinos fazia mais uma volta ao redor do grupo que se defendia. Seria mais uma investida sem efeito, quando por debaixo dos escudos, um homem berrou o grito de ataque da elite de Aelle. A formação fechada se desfez de uma forma impressionante, todos os guerreiros tomaram posição formando dois blocos compactos de escudo e espada. Essa era a formação que daria combate aos cavaleiros que vinham para mais uma investida. Os dois blocos deixariam que os cavalos passassem entre os blocos e os derrubariam cortando carne, tendões e ossos dos animais. Havia sido Aelle quem criara aquele método para se enfrentar grandes grupos a cavalo, a formação fechada nunca havia falhado, sempre que fora usada, Aelle ou Bors estavam a frente do grupo, os dois guerreiros sempre sabiam quando atacar. Aquele momento em que o grito soou alto dentro da massa compacta de escudos, não era Bors quem dava o comando, aquele, não era o momento certo de atacar.
Para quem via tudo de cima como eu, podia enxergar claramente a infeliz falha cometida pela elite de Aelle, quando saíram da formação, rapidamente os cavaleiros se reagruparam. Aquilo havia sido uma isca, e como Bors havia advertido, o inimigo esperava que atacássemos.
Aquele foi o verdadeiro inicio da batalha, o grande grupo de cavaleiros investiu de frente contra os blocos bárbaros que aguardavam e apenas nesse primeiro impacto, tudo parecia estar perdido. Os homens levantavam atordoados e tentavam se fixar de pé. Havia guerreiros com pernas e peito esmagados na areia, homens com ossos que perfuravam a pele e homens que corriam a esmo com os olhos cegados pela areia. Os que permaneciam incólumes, pegavam armas do chão e se preparavam para mais uma parte de um combate em que estávamos em desvantagem. Bors saltou sobre a cela de um cavaleiro que decepara um bárbaro ao seu lado e cravou uma faca longa em suas costas, ele era agora um guerreiro mortal, e montado. Tudo estava confuso, era difícil saber quem era quem, armas e armaduras eram semelhantes, muitos cavaleiros haviam sido derrubados e os que ainda restavam, eram perseguidos por Bors que matava com uma rapidez e violência impressionantes. Mais alguns bárbaros haviam conseguido montaria, e se juntavam a seu comandante.


- Derrubem esses bastardos, vamos levar o combate para o chão – berrava ele enquanto arrancava o braço de um homem com seu machado.

Já quase não haviam cavaleiros, agora todos lutavam como iguais, espadas contra espadas, corpo contra corpo. Esse era o tipo de batalha perfeita para a elite de Aelle, mas isso seria senão estivéssemos em uma desvantagem mortal. Bors havia sido acuado contra o navio onde eu observava a batalha e parecia que já haviam lhe identificado como comandante da legião. Mais e mais homens corriam para atacá-lo e o gigante, agora sem armadura e apenas com uma espada longa na mão, abatia um a um dos vinham tentar subjugá-lo. Nossos homens tentavam de todas as maneiras chegar até seu comandante, mas eram impedidos pela enorme quantidade de inimigos que ainda restavam. Parecia que a todo o momento chegavam mais soldados prateados. Bors agora lutava contra seis soldados armados e protegidos por armaduras. O homem urrava e aparava estocadas simultâneas de espada com uma leveza impressionante.

Um dos homens baixou rápido o escudo contra seu ombro esquerdo, fazendo o bárbaro perder o apoio que tinha do braço que segurava a arma. O gigante agarrou o escudo do adversário puxando-o para si e cravando a espada contra o crânio do homem que manteve os olhos vidrados e tombou de lado sem gemer. Um já havia sido abatido e Bors já se virava para enfrentar o restante dos furiosos guerreiros de armadura quando uma lança comprida de madeira envergada surgiu por entre os escudos dos soldados presentes e parou fundo no flanco desprotegido do bárbaro. Bors se ajoelhou quando sentiu a falta de ar, e ainda assim se defendia de ataques que vinham de todos os lados. O homem que ferira Bors havia se juntado ao grupo e fora o segundo a ter seu fim nas mãos negras do guerreiro ferido. Bors arremessou a espada com força por entre a abertura do elmo do soldado que apenas largou o escudo e despencou com sangue fluindo pelas brechas do elmo.

- Maldito covarde – berrou ele cuspindo sobre o corpo caído na areia
Bors tentava se defender com a lança quebrada que o atingira, e estava ao menos conseguindo fazer com que os inimigos mantivessem distancia. Um guerreiro gigante com aquela habilidade, era mortal mesmo ferido, sem armas e de joelhos. Pouco a pouco a batalha ia sendo levada para longe do navio, ainda restavam muitos soldados inimigos e a elite de Aelle ia ficando menor a cada investida. Nossos melhores soldados iam resistindo bravamente e matando o máximo de homens que pudessem. Bors agora estava sozinho e se defendendo da maneira que podia. Aqueles momentos para mim foram os mais desesperadores pelos quais já passei até hoje. Bors havia me mandado buscar uma espada que pudesse lutar e eu não retornei para junto de meus irmãos. O medo me paralisou, tudo que fiz foi ficar assistindo nossa formação ser desmantelada, homens que haviam me ensinado morrendo, e Bors, meu mestre, ser acuado e ferido sem que eu fizesse nada. Ele ainda estava lá, ferido e lutando bravamente contra um grupo covarde de soldados. Era o momento em que eu deveria virar um guerreiro. Aos poucos minha mente foi ficando mais serena. Parecia que as coisas estavam acontecendo de forma tranqüila, o medo foi deixando meu corpo e já podia me mover novamente. Abaixo do convés, um dos mais poderosos guerreiros bárbaros estava ferido e precisando de ajuda. No momento eu pensei ser a coisa certa a se fazer, hoje, quando paro e penso na minha primeira atitude como soldado de Aelle, vejo o quanto fui imprudente e idiota. Sem pensar, prendi a bainha da espada às costas assim como Bors fazia com seu machado. Subi em um salto na trave de contenção do convés e olhei para baixo com olhos furiosos, ninguém iria matar o homem que havia ensinado Van Ariell a lutar. Fechei os olhos, apertei com mais força a bainha da espada e saltei.

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