terça-feira, 24 de março de 2009

Declínio...Parte III

Cai por cima de um amontoado disforme de armaduras, escudos e espadas. Uma dor lacinante percorreu meu corpo em conseqüência da queda, estava tonto com o impacto, mas não havia me ferido. Quando olhei ao redor, tudo estava do mesmo jeito de quando pulei do navio em direção a batalha. Bors permanecia encurralado por guerreiros furiosos que atacavam de todas as direções. Meu salto havia sido muito mais longo do que eu havia previsto, cai sobre um grupo que ainda se aproximava pela lateral do navio. Três dos soldados já não levantavam mais, outros dois cambaleavam a procura das armas caídas, enquanto eu me erguia e pensava no próximo movimento. Bors não tinha mais tempo, estava exausto e seus movimentos já não eram mais tão velozes.
- Rus! – berrei como um louco o grito de guerra bárbaro. Corri para cima dos soldados que cercavam meu mestre sem nem ao menos saber como atacá-los. Agora eu já não tinha mais opção, só me restava brandir a espada e desferir golpes rápidos e curtos. Foi assim que tive minha primeira batalha. Fui de encontro ao inimigo, corria como um louco na direção dos soldados que atacavam Bors, todos atacavam ao mesmo tempo, e todos estavam de costas, se eu conseguisse alcançá-los sem que me notassem, poderia desviar a atenção para que Bors pudesse se salvar. Continuei correndo, o primeiro soldado estava bem a minha frente, ele desferia golpes violentos com uma lança e seria o alvo perfeito pra o meu ataque. O homem atacava sem técnica alguma, erguia a lança acima da cabeça e baixava com força contra Bors que se esquivava ou obstruía o ataque com o pedaço de lança que ainda segurava. O bárbaro com a lateral do tronco sangrando se protegia de joelhos enquanto uma dúzia de homens apostava quem seria o bastardo a dar o último golpe. Já quase não havia mais claridade na praia. A batalha agora era travada apenas com fúria e habilidade. O vento vinha forte do oceano, uma leve chuva começava a levar aos poucos o sangue seco preso em corpos mortos espalhados pela areia. O frio tomava conta e eu nem sequer notava, a única coisa de que me lembro agora, foi de minha espada entrando firme por entre a fenda da armadura do guerreiro. O homem largou a lança no mesmo instante e caiu de joelhos, puxei forte a espada para que se livrasse da carne do soldado e terminei com o sofrimento do homem com uma passada curta pela garganta descoberta pelo elmo. Quando o soldado caiu, parecia que todos os olhos se voltavam para mim. Ao que parecia, aquele homem era um dos nobres do exército inimigo, eu o havia matado, minha primeira vítima, um nobre que havia sido morto pelas costas, e agora eu contemplava dezenas de olhos que pareciam entrar em mim como flechas. Olhei para o lado e Bors partia o pescoço de mais um soldado. O que eu deveria parecer para os homens que me olhavam? Um garoto, sem armadura, sem escudo, e com uma espada que com certeza não havia sido feita para ele. Eles continuavam me olhando e eu pensava quanto tempo mais iria levar para que me atacassem. Quando um dos homens levantou o elmo para falar, senti uma brisa forte percorrendo minha espinha e a sombra de um machado que se erguia às minhas costas, rolei para o lado ao tempo em que a lamina pesada da arma se chocava contra a areia, o soldado lutou para erguer novamente com agilidade o machado , mas a arma era pesada demais, e aquela foi minha chance, chutei o elmo do soldado que desprendeu e saltou, chutei novamente com força e vi o osso do nariz sendo partido. O homem largou o machado, sacou uma pequena faca do cinto e se levantou contra mim. Tudo parecia calmo a minha volta, aquilo era uma sensação estranha e nunca ninguém havia me falado sobre ela. A batalha era desesperadora, uma infinidade de inimigos a minha volta e mesmo assim tudo era sereno. Os movimentos aconteciam com uma lentidão espantosa, meu raciocínio parecia acelerar e o homem com a faca avançava como um lobo. Novamente rolei para o lado no momento em que o soldado pulou, e dessa vez eu não o chutei, quando o homem caiu, eu já estava de pé, esperando para que ele olhasse em meus olhos antes de receber o último golpe. Cravei fundo a espada no crânio do inimigo e larguei a arma que ficara presa no crânio rachado.

O júbilo de se derrotar um inimigo em batalha não pode ser descrito em palavras. Aquela havia sido minha segunda vítima, meu primeiro combate e eu percebia que poderia matar centenas. A batalha ao meu redor não representava nada, só queria matar todos aqueles que ameaçavam Bors. Deixei o homem caído com a espada ainda presa ao crânio e peguei uma nova arma caída na areia.
Olhei para o navio e vi que Bors não estava mais lá. Muitos ainda lutavam na praia entre corpos prateados e cavalos estendidos, mas nem sinal do gigante. Agora já se tornava quase impossível para mim enxergar muito da luta que era travada na praia, com a espada não mão , corri pela areia para ajudar meus irmãos, meu sangue estava quente, eu me sentia estranho, era a loucura da guerra que tomava conta e controlava meus instintos. Seis guerreiros com armadura lutavam contra dois dos bárbaros de Aelle, Bors estava entre eles e pude notar que ao lado estava Onir que havia perdido um braço e agora brandia a espada com fúria. Parti em direção aos dois quando um homem pequeno e magro parou a minha frente segurando uma clava com pontas cobertas de sangue.

- Um garoto! – ria ele enquanto sacudia a arma – vou matá-lo e levar seu corpo aos cachorros!

O primeiro ataque do homem me mostrou o quão despreparado eu estava para enfrentar um combate frente a frente. O soldado manejava a arma de uma forma
rápida e eu mal podia acompanhar seus movimentos, ele atacava brincando comigo enquanto eu me esquivava da maneira que podia. Um golpe pesado veio de cima e me fez cair sem jeito na areia para evitá-lo, mais ataques vinham de cima, de baixo e pelos lados enquanto eu rolava de um lado para o outro pela areia. O homem gargalhava enquanto atacava e quando ergueu a clava para desferir o golpe que provavelmente arrancaria minha cabeça, atirei uma pedra que acertou a testa do homem. O soldado cambaleou e eu tive tempo de me levantar, teria apenas uma chance de atacar, levantei a pesada espada para baixá-la com força contra o crânio do homem e de repente tudo escureceu, senti uma dor gélida na cabeça e percebi que estava sangrando. Meu corpo
despencou na areia e pude abrir os olhos somente para ver um homem de armadura que sorria e segurava um elmo sujo de sangue. O guerreiro sacou lentamente uma faca do cinto e então a dor venceu a minha vontade de encarar a morte de frente. Meus olhos se fecharam e eu fazia força para abri-los novamente. Morreria antes de me tornar um verdadeiro guerreiro, morreria antes que pudesse ver Aelle mais uma vez. Por mais um segundo abri os olhos e vi meu assassino largando a faca enquanto seu corpo era suspenso pelo pescoço por um gigante negro coberto de sangue. Não pude ver mais nada.

Desmaiei e soube que talvez pudesse realizar meus sonhos, eu viveria porque Bors havia me salvado.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Declinio... Parte II

Quando o mais imponente e bravo navio bárbaro aportou na praia deserta da ilha de Vassur, ainda havia claridade embora o sol não visitasse essas terras já há algumas semanas. O Unter Ox, o navio do general Aelle fora o único a ter permissão para ancorar na ilha. Todo o restante da frota baixou ancoras ao redor da praia enquanto aguardava permissão. Fui o primeiro a saltar na areia fofa e branca da nova terra. O restante de meus irmãos saltaram e correram como loucos. Faziam meses que não pisávamos em terra firme, os bárbaros eram um povo criado no oceano, mesmo assim, nada compensa o prazer de estar no chão.
Bors foi o ultimo a descer, parou ao meu lado enquanto vestia o peitoral de sua armadura de batalha e afivelava o cinto que prendia seu machado de uma mão na cintura.


- Calmo não é? – perguntou ele sério enquanto olhava ao redor. A praia estava deserta, a floresta que se estendia a frente era densa e ao norte se via o início da cadeia de montanhas que protegia a fortaleza. Enquanto eu observava a floresta, Onir, o segundo homem de confiança de Aelle se aproximou de Bors com os mesmos olhos frios e sem sentimentos que sustentava durante todo o dia.
- Onde esta a recepção? – perguntou a Bors enquanto prendia uma longa e curva espada com pontas na bainha – Aelle não deveria ter mandado alguém?
Bors continuava a olhar sem preocupação para a praia desabitada. Quando pareceu satisfeito, pegou seu outro machado encostado na lateral do navio, jogou sobre o ombro e olhou para o preocupado Onir.
- Mande que esse bando de macacos voltem ao navio e se armem, Tem alguma coisa aqui que não esta me parecendo muito certo.
Onir acenou com a cabeça e foi em direção ao grupo que se atirava ao mar e depois corria de volta para a areia como se fossem um grupo de crianças visitando a praia. Quem olhasse naquele momento, não acreditaria que se estava diante da elite mais mortal de guerreiros, O regimento de Aelle.
O mar jogava suas ondas sobre o casco cravado na areia enquanto o vento parecia não querer parar. Eu havia me sentado no chão ao lado de Bors, que permanecia em pé com o machado no ombro e os olhos fixos na colina.
- Você não acha que se fossem nos fazer uma emboscada, viriam por entre as árvores dessa floresta? – Bors perguntou sem me olhar, os olhos pareciam travados em um alvo a ser abatido
- Acho que seria a forma mais efetiva senhor – respondi calmo, sabia que aquilo era uma avaliação – seria mais silencioso e rápido se estivessem nos esperando no meio da floresta. O único local sem ser por entre as árvores, seria vindo a cavalo por detrás da colina – apontei para onde Bors olhava tão friamente.
- Concordo, eles viriam em um bando maciço, em formação de linha.
- Seria o melhor a se fazer senhor. Mas por outro lado, se viessem por ela, teríamos tempo de fechar a formação de defesa, ou recuarmos para dentro do navio e destruí-los com nossas flechas.
Bors me olhou e sorriu pela primeira vez. Foi o primeiro e um dos poucos gestos de aceitação que o vi demonstrar até hoje. Bors gostava de poucas pessoas, respeitava menos ainda e não temia nenhuma. Naquele dia eu vi o quanto havia aprendido ao lado daquele gigante mouro.
- Você me saiu melhor do que imaginei Sr. Ariell. Quando tiver sua primeira batalha, quando matar seu primeiro homem, não esqueça de nada do que aprendeu comigo. Aelle tinha razão, você esta fadado a ser um grande guerreiro.
A única coisa que pude fazer foi sorrir. O homem que aprendi a admirar e respeitar estava me reconhecendo. Mal podia esperar pela hora em que empunharia minha espada e passaria com força e firmeza pela armadura de um guerreiro.
- Então é isso garoto – Bors me olhou novamente, mas agora da mesma maneira fria com que havia me acostumado – A hora de nossa primeira batalha nunca demora tanto quanto pensamos, esse é o lado bom, não temos tempo para ficar ansiosos. Agora volte para o navio e pegue minha espada curta em minha cabine. Chegou a hora de mostrar o que aprendeu.
Quando olhei novamente para as colinas elas já não estavam mais como antes. Tudo havia se transformado em uma massa negra e metálica que se movia rasteira e rápida. Um enxame de pelo menos 500 cavaleiros vinha em nossa direção.
- Corra Ariell, estamos sendo atacados!

Naquele momento tudo pareceu acontecer mais devagar . Os homens que corriam na areia se apressavam em pegar armas e escudos enquanto Bors e Onir, armados e prontos para a batalha, formavam uma linha de combate de apenas dois homens. A massa prateada de soldados e cavalos descia rápido a encosta do morro e mais guerreiros vinham se juntar aos dois homens que mantinham a posição. Não sei ao certo quanto tempo levei até que pudesse voltar a praia, corri como nunca pelos corredores estreitos e escuros do navio, arrombei a chutes a cabine de Bors que estava trancada e encontrei a espada em cima de um baú de madeira dourada em que ele guardava os saques que acumulava em batalha. Quando apanhei a espada senti que podia matar, havia sido treinado para isso, ainda não era um guerreiro completo, mas aquele era o momento de saber o que havia aprendido até ali. Afivelei a bainha da espada no cinto e corri para fora, fui em direção a batalha. Quando alcancei o convés já podia ouvir o som da guerra, Aelle me disse uma vez o quão intenso são as cenas de um combate, o tilintar de metal contra metal, os gritos de fúria e dor que se confundem, o cheiro de sangue e suor que se misturam. No instante em que parei na amurada do convés entendi porque o exército bárbaro é temido em todas as terras de além mar. Bors e Onir lideravam uma formação de defesa perfeita para se enfrentar um ataque a cavalo, os homens permaneciam imóveis, a parede de escudos se fechava acima das cabeças e firmes suportavam as investidas do inimigo. A idéia de uma formação fechada como era chamada, era aguardar a abertura do inimigo, nem todos os cavalos se comportam da mesma maneira, lutar contra cavalos de guerra poder ser perigoso, desde que seu cavaleiro saiba guiá-lo da maneira correta. A massa de cavaleiros corria em círculos contra nosso exército descendo espadas e lanças contra escudos rígidos que se cerravam uns contra os outros. Tudo parecia estar perfeito, deveria haver naquela praia, quase seis inimigos para cada um de nós, mesmo assim, os bárbaros agiam em harmonia, defendiam-se e aguardavam o momento em que os cavalos iriam desfazer a formação. Bors se mantinha agachado com o escudo sobre o elmo negro, não se movia e nem gritava, a mente afiada de guerreiro estava trabalhando, e o bárbaro apenas observava a movimentação dos cavaleiros inimigos.


- Está na hora Bors – berrou Onir ao lado do guerreiro negro – vamos pra cima deles na próxima investida. Eles estão desfazendo a formação.
- Não!!! Segure os homens, eles querem que pensemos isso.
Onir segurava o apoio do escudo que era atacado por cima e mesmo assim mantinha firme o braço levantado. No instante em que mais um ataque atingiu a formação de defesa bárbara, o homem atrás de Bors tombou gemendo enquanto segurava o elmo partido por uma espada.
- Nossos homens não vão agüentar muito tempo Bors, precisamos atacar!!!
- Fique onde está Onir, sou eu quem comanda estes guerreiros, sou eu que diz quando iremos atacar – Urrou Bors enquanto protegia com o escudo, o flanco desprotegido do homem ao seu lado – Eles querem que ataquemos, ainda não estão fora de formação.
Onir continuou olhando Bors com olhos finos e selvagens. O grupo de cavalos e guerreiros assassinos fazia mais uma volta ao redor do grupo que se defendia. Seria mais uma investida sem efeito, quando por debaixo dos escudos, um homem berrou o grito de ataque da elite de Aelle. A formação fechada se desfez de uma forma impressionante, todos os guerreiros tomaram posição formando dois blocos compactos de escudo e espada. Essa era a formação que daria combate aos cavaleiros que vinham para mais uma investida. Os dois blocos deixariam que os cavalos passassem entre os blocos e os derrubariam cortando carne, tendões e ossos dos animais. Havia sido Aelle quem criara aquele método para se enfrentar grandes grupos a cavalo, a formação fechada nunca havia falhado, sempre que fora usada, Aelle ou Bors estavam a frente do grupo, os dois guerreiros sempre sabiam quando atacar. Aquele momento em que o grito soou alto dentro da massa compacta de escudos, não era Bors quem dava o comando, aquele, não era o momento certo de atacar.
Para quem via tudo de cima como eu, podia enxergar claramente a infeliz falha cometida pela elite de Aelle, quando saíram da formação, rapidamente os cavaleiros se reagruparam. Aquilo havia sido uma isca, e como Bors havia advertido, o inimigo esperava que atacássemos.
Aquele foi o verdadeiro inicio da batalha, o grande grupo de cavaleiros investiu de frente contra os blocos bárbaros que aguardavam e apenas nesse primeiro impacto, tudo parecia estar perdido. Os homens levantavam atordoados e tentavam se fixar de pé. Havia guerreiros com pernas e peito esmagados na areia, homens com ossos que perfuravam a pele e homens que corriam a esmo com os olhos cegados pela areia. Os que permaneciam incólumes, pegavam armas do chão e se preparavam para mais uma parte de um combate em que estávamos em desvantagem. Bors saltou sobre a cela de um cavaleiro que decepara um bárbaro ao seu lado e cravou uma faca longa em suas costas, ele era agora um guerreiro mortal, e montado. Tudo estava confuso, era difícil saber quem era quem, armas e armaduras eram semelhantes, muitos cavaleiros haviam sido derrubados e os que ainda restavam, eram perseguidos por Bors que matava com uma rapidez e violência impressionantes. Mais alguns bárbaros haviam conseguido montaria, e se juntavam a seu comandante.


- Derrubem esses bastardos, vamos levar o combate para o chão – berrava ele enquanto arrancava o braço de um homem com seu machado.

Já quase não haviam cavaleiros, agora todos lutavam como iguais, espadas contra espadas, corpo contra corpo. Esse era o tipo de batalha perfeita para a elite de Aelle, mas isso seria senão estivéssemos em uma desvantagem mortal. Bors havia sido acuado contra o navio onde eu observava a batalha e parecia que já haviam lhe identificado como comandante da legião. Mais e mais homens corriam para atacá-lo e o gigante, agora sem armadura e apenas com uma espada longa na mão, abatia um a um dos vinham tentar subjugá-lo. Nossos homens tentavam de todas as maneiras chegar até seu comandante, mas eram impedidos pela enorme quantidade de inimigos que ainda restavam. Parecia que a todo o momento chegavam mais soldados prateados. Bors agora lutava contra seis soldados armados e protegidos por armaduras. O homem urrava e aparava estocadas simultâneas de espada com uma leveza impressionante.

Um dos homens baixou rápido o escudo contra seu ombro esquerdo, fazendo o bárbaro perder o apoio que tinha do braço que segurava a arma. O gigante agarrou o escudo do adversário puxando-o para si e cravando a espada contra o crânio do homem que manteve os olhos vidrados e tombou de lado sem gemer. Um já havia sido abatido e Bors já se virava para enfrentar o restante dos furiosos guerreiros de armadura quando uma lança comprida de madeira envergada surgiu por entre os escudos dos soldados presentes e parou fundo no flanco desprotegido do bárbaro. Bors se ajoelhou quando sentiu a falta de ar, e ainda assim se defendia de ataques que vinham de todos os lados. O homem que ferira Bors havia se juntado ao grupo e fora o segundo a ter seu fim nas mãos negras do guerreiro ferido. Bors arremessou a espada com força por entre a abertura do elmo do soldado que apenas largou o escudo e despencou com sangue fluindo pelas brechas do elmo.

- Maldito covarde – berrou ele cuspindo sobre o corpo caído na areia
Bors tentava se defender com a lança quebrada que o atingira, e estava ao menos conseguindo fazer com que os inimigos mantivessem distancia. Um guerreiro gigante com aquela habilidade, era mortal mesmo ferido, sem armas e de joelhos. Pouco a pouco a batalha ia sendo levada para longe do navio, ainda restavam muitos soldados inimigos e a elite de Aelle ia ficando menor a cada investida. Nossos melhores soldados iam resistindo bravamente e matando o máximo de homens que pudessem. Bors agora estava sozinho e se defendendo da maneira que podia. Aqueles momentos para mim foram os mais desesperadores pelos quais já passei até hoje. Bors havia me mandado buscar uma espada que pudesse lutar e eu não retornei para junto de meus irmãos. O medo me paralisou, tudo que fiz foi ficar assistindo nossa formação ser desmantelada, homens que haviam me ensinado morrendo, e Bors, meu mestre, ser acuado e ferido sem que eu fizesse nada. Ele ainda estava lá, ferido e lutando bravamente contra um grupo covarde de soldados. Era o momento em que eu deveria virar um guerreiro. Aos poucos minha mente foi ficando mais serena. Parecia que as coisas estavam acontecendo de forma tranqüila, o medo foi deixando meu corpo e já podia me mover novamente. Abaixo do convés, um dos mais poderosos guerreiros bárbaros estava ferido e precisando de ajuda. No momento eu pensei ser a coisa certa a se fazer, hoje, quando paro e penso na minha primeira atitude como soldado de Aelle, vejo o quanto fui imprudente e idiota. Sem pensar, prendi a bainha da espada às costas assim como Bors fazia com seu machado. Subi em um salto na trave de contenção do convés e olhei para baixo com olhos furiosos, ninguém iria matar o homem que havia ensinado Van Ariell a lutar. Fechei os olhos, apertei com mais força a bainha da espada e saltei.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Declínio...

Qual a razão de retornarmos a lugares que juramos esquecer. Penso que dentro de cada pessoa existe algo que as controla mesmo que não percebam. Meu coração pode ter criado vínculos com aquele lugar, um lugar de morte, tragédia e horrores sem fim, mas mesmo assim, foi o lugar que me fez entender que nasci para ser quem eu sou. Durante anos lutei contra meu destino, procurei ser como os outros, fui treinado, e ainda sim ignorei o chamado. Hoje me arrependo, se por tanto tempo não tivesse renegado meu caminho, todos os que eu amei ainda estariam ao meu lado.


Tudo que relato nessa história faz parte de uma era esquecida. Os mais novos são educados a acreditar que aquele período não existiu. Talvez seja melhor, milhares morreram durante as infindáveis batalhas de libertação, a memória de todos foi apagada, menos por mim, eu continuo vagando e jurando lembrar e honrar cada um dos que permaneceram ao meu lado quando a luz foi tomada. Acredito que se ainda vivessem, iriam preferir que tudo fosse esquecido. Estamos em momentos de renovação, a vida sucede a morte, a luz retorna a sua origem, não vale lembrar de quando não havia mais esperança. Poucos como eu ainda restam, mas os que vivem são suficientes para saudar a memória de nossos irmãos, assim como são suficientes para lembrar o tempo em que nosso povo quase desapareceu.


Ano de 272 da 2ª Era

Verde até onde meus olhos podiam ver. Até hoje posso fechá-los e enxergar a relva rasteira que cobria campos e montanhas na costa sul de Vasurr. Apaixonei-me por esta terra desde o primeiro momento em que a vi, era lindo, diferente de tudo que já tinha visto.

Meu nome é Van Ariell, na época tinha 14 anos e era um dos encarregados pela limpeza do imponente e poderoso Unter Ox, espada do oceano na antiga língua Kör. Era muito pequeno quando minha aldeia foi assolada pelo exército do Ox, Aelle Gammar, o capitão, era o general guerreiro do povo bárbaro do norte, foi ele quem me capturou e poupou minha vida, dizia que me parecia muito com seu filho, morto durante um ataque ao navio. Passei toda minha infância a bordo do navio bárbaro de ataque e nunca reclamei. Conheci terras distantes, povos assombrados pela guerra, povos prósperos que logo se arrependiam do momento em que nos permitiram em seus portos. Quando fiz 12 anos, Aelle disse que importantes invasões do povo bárbaro iriam começar. A partir daquele momento não teria mais condições de estar comigo, porisso nomeou o melhor guerreiro do Ox como meu tutor. Bors era o único guerreiro negro do navio, na verdade, vim a descobrir mais tarde que ele era o único guerreiro negro entre os bárbaros. Havia chegado da mesma forma que eu, tinha sido criado pelos pais de Aelle, e se tornado um dos melhores guerreiros que já vi em combate até hoje. Aquele foi o dia de Bukoque, o deus da fome, era o dia que marcava o fim do inverno, o dia em que Aelle partiu com 10 de seus melhores homens para se juntar ao restante do exército bárbaro. Bors não estava contente, lutava ao lado de Aelle a anos, agora havia sido abandonado no navio para cuidar de um garoto franzino e sem o menor jeito para ser um guerreiro bárbaro.
Para os que permaneceram no navio havia apenas uma missão, saquear e destruir o maior número de navios de carga que fossem em direção à costa. Muitos transportariam armas em direção ao Vasurr e essas armas não poderiam chegar. A intenção de Aelle e dos outros generais, era de tomar a ilha sem destruição, queriam sitiar as grandes fortalezas e forçar uma rendição pacífica. Aquele deveria ser um novo lar, e não uma terra devastada pelo imbatível exército.
Bors era o novo capitão do Unter Ox, no mesmo dia em que Aelle partiu, alinhou o navio e partiu para rondar o oceano junto com o restante da frota. Naquele mesmo dia, meu treinamento começou.

- Por alguma razão, Aelle pensa que você é um verme especial – berrou Bors enquanto o mar estourava na proa do Ox – ele me deixou para treiná-lo garoto, e por sua causa perdi uma grande batalha. Eu respeito Aelle como um irmão, mas não acho que você valha meio pote de cerveja, porém, irei treiná-lo.
Eu não conseguia responder, estava amedrontado demais até para entender o que ele dizia. Sempre admirei o guerreiro negro, Aelle dizia que ele salvara sua vida centenas de vezes, e que Bors era o guerreiro que você deveria desejar quando estivesse em uma parede de escudos.
- Quando acabarmos verme, ou você será um assassino mortal, ou um verme esmagado entre meu machado e o casco deste navio.
E foi assim que começaram meus anos de treinamento. O Unter Ox permaneceu ileso durante os quatro meses em que permanecemos no oceano. Destruímos onze navios mercantis e quatro de batalha, nada passou pela área que vigiávamos e assim o povo bárbaro teve sua invasão. Todos os dias acordava antes que o sol saísse por detrás das ondas, Bors me jogava no mar e me fazia nadar de volta ao navio, passava toda a manha escalando o mastro principal com as pernas atadas, carregava caixas de armas e armaduras, desviava de pedras arremessadas pela tripulação e corria ao redor do Ox até que minhas pernas não pudessem mais responder. “Manhãs dedicadas ao corpo verme, tardes dedicadas à prática da espada”, esta era a frase que Bors repetia todos os dias.
O mar estava congelante, o vento vinha veloz de alto mar cortando a pele e fazendo os ossos doerem após o por do sol, o inverno estava chegando, e no dia em que pensávamos quando íamos voltar, recebemos a mensagem vinda da costa.
- Vamos nos preparar! Quero dois barcos no mar em 10 minutos. Avisem o restante da frota que partiremos para Vasurr com o nascer do sol. – o recado deixou toda a tripulação aflita, a mensagem chegara, mas Bors fazia questão de manter o mistério. Todos olhavam os barcos partirem com mensageiros para avisar a todos os navios bárbaros espalhados pelo mar norte. Eu não agüentei o suspense, estava preocupado com Aelle.
- Sr. Bors? – perguntei olhando em seus olhos como ele havia me ensinado. “um homem que não olha nos olhos não é um guerreiro” – Nós vencemos? Tomamos a ilha?
O gigante terminou de vestir sua capa e me olhou friamente. Por vários instantes permanecemos nos olhando enquanto a tripulação fingia não prestar atenção na pergunta. Bors parou de me olhar e fitou a tênue linha que marcava o contorno da ilha de Vasurr, a mais poderosa dos povos nórdicos.
- Está preocupado garoto? Acha que Aelle tombou? – agora era visível o interesse de todos os tripulantes do Ox. Bors deixou o olhar frio e mortal para me secar de forma diferente. Foi a primeira vez que vi aquele olhar no rosto marcado de um homem duro como a rocha. Bors me olhava com algo que lembrava muito a bondade, talvez começasse a me ver como um guerreiro, ou apenas estivesse espantado com minha real afeição por Aelle. O gigante olhou ao redor e viu cada um dos guerreiros que aguardavam uma resposta.
- Guerreiros, temos um novo lar! – berrou Bors com os braços estendidos em direção a costa. No mesmo momento todos gritaram. 170 homens batendo armas e pés contra o casco do navio, todos saudando a conquista de nosso exército.
- Aelle está vivo e bem garoto – Bors falou ao meu ouvido – temos três dias até alcançarmos a costa, se eu fosse você, continuava seu treinamento, ou então, ambos vamos conhecer a fúria de seu general.
E durante os três dias eu treinei. Nosso navio liderava o restante das vinte e uma embarcações de guerra que haviam ficado no mar defendendo a costa de Vasurr de uma possível chegada de reforço.
Agora o clima estava realmente fechado. O inverno chegara de forma intensa e toda a tripulação sofria com as rajadas congelantes de vento que chegavam a todo o momento do oceano. A ilha agora já era visível a olho nu, bandos de aves se afastavam da terra voando em imensos grupos a procura de um clima mais quente. Chegaríamos a Vasurr no final da tarde. Chegara o dia em que eu viria o tamanho do poder de meu povo.
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