domingo, 18 de outubro de 2009

Declínio...Parte IV

A ilha de Glenwidy havia estado desabitada por vários anos. O castelo de pedra fria estivera fechado, protegido apenas por lobos e pássaros que faziam ninhos e tocas na construção abandonada. Há seis meses que a ilha ganhara vida novamente, cabanas de barro com telhados de palha foram construídos, camponeses e artesãos montavam estábulos e cultivavam pastos para os animais. Ochek’ Iangar era o nome daquele castelo, ele também havia sido habitado, agora, um terror há muito extinto tomara forma, reunira uma horda maligna de seguidores e retornado ao seu local de origem. Glenwidy era novamente o lar do povo de Elandir.

Um homem andava apressado pelos corredores da masmorra. Viera de longe, chamado por alguém a quem não podia ignorar. Fora do castelo a chuva castigava as janelas dos andares acima. O homem usava traje comleto de batalha, uma poderosa espada pendia de um lado da cintura, e do outro uma espada curta e fina, era um homem criado para guerra. Quando chegou à última porta ela estava aberta e já aguardavam o soldado. Uma mesa rígida de pedra estava suspensa por correntes no meio do salão frio e escuro da masmorra. Nove homens permaneciam parados ao redor da mesa e olhavam calmamente o homem enquanto tirava a capa e a colocava em cima de uma bancada junto ao elmo. O salão era enorme. Celas contornavam toda a circunferência do lugar, archotes iluminavam os poucos pontos onde era necessário, o restante permanecia em uma triste escuridão. O homem que havia convocado o soldado olhava-o atentamente. Era um homem enorme, rosto marcado por cicatrizes e faltava um pedaço do nariz, vestia uma armadura de couro incrustada por imagens douradas de demônios lutando com espadas e lanças. Não levava espadas, ao invés disso permanecia com outros três homens pequenos, envoltos por completo em capas pretas e espadas curtas presas as costas.

- Você demorou Akurius – falou o homem que acenava para dois cervos parados a porta – Estivemos lhe esperando por horas.
- Meu senhor Peledur, me desculpe – disse o soldado fazendo uma longa reverência – tive problemas como o senhor havia mencionado, e eles foram mais insistentes do que pensava.
- Está resolvido? – perguntou Peledur enquanto observava os cervos voltarem trazendo um corpo arrastado por correntes.
- Com toda certeza meu senhor. Tudo que me pediu eu pude trazer e os comerciantes de Avendreth não irão mais incomoda-lo.

Peledur sorriu enquanto os cervos traziam um corpo inconsciente e o prendiam sobre a mesa de pedra. Aquele não era um homem, não passava de um garoto e estava com o corpo coberto de hematomas, o rosto tinha cortes profundos que pareciam não cicatrizar devido à continuidade dos ferimentos. Akurius olhou para o garoto sem demonstrar sentimento algum. Os outros homens que estavam parados ao redor também olhavam sem que nada que estivesse acontecendo ali parecesse maligno.
- Nenhum de vocês conhece esse homem – disse Peledur enquanto apontava Akurius – mas eu o convoquei aqui hoje para assistir a essa deslumbrante demonstração, e para que conhecessem o homem que há muitos anos atrás, salvou minha vida.


Todos olhavam o soldado que continuava com os olhos fixos no garoto que agora balançava devagar a cabeça.
- Este é o general Akurius Intaff, comandante da frota pirata de Intaff – continuou Peledur enquanto o restante dos homens presentes observavam espantados o homem de rosto sereno que olhava para a vítima inconsciente - Este homem novamente veio me prestar um favor. Resolveu problemas que poderiam me incomodar no futuro, e agora veio para ser o novo general de minhas tropas.

Por toda a sala houve comentários e olhares mortíferos. Akurius continuava impassível enquanto Peledur caminhava devagar em direção a mesa.
- Agora quero que todos fiquem calados – falou ríspido Peledur enquanto mandava que um dos homens se aproximasse da luz.
- Ele já esta preparado para falar? – perguntou para o homem
- A erva foi introduzida pela manha meu senhor. O corpo do garoto precisava ficar fraco para que o efeito fosse certo – o homem mexia no garoto como se fosse um peixe que precisava ser descamado – ele foi torturado o suficiente, o senhor pode lhe perguntar qualquer coisa.
- Ótimo trabalho Madras!

Fora do castelo a tempestade parecia piorar a cada momento. Ninguém permanecia no vilarejo que circundava a fortificação, todos procuravam abrigo nos celeiros e cabanas. Atrás do castelo, o movimento era maior do que o comum, o gigantesco acampamento montado para o exército que aumentava a cada dia trazido por navios que vinham do sul estava agitado. Um navio longo, de velas e casco negro havia aportado momentos antes, apenas um homem desembarcara e todo o exército parecia se perguntar quem eram os soldados que observavam o movimento pelo convés superior da embarcação.
Na masmorra o prisioneiro recobrava a consciência lentamente. Os olhos do garoto estavam fundos, não dormia e nem era alimentado há três dias. O silêncio foi quebrado apenas por Peledur que agora, bebia lentamente um cálice de vinho sem se preocupar com a impaciência de seus convidados.
- Este garoto é um nobre – começou o homem enquanto bebericava a bebida – é filho de um dos comandantes da frota de Aelle. Foi capturado por um de meus homens, em um porto próximo do continente.
Madras era o único que permanecia impassível. Ele passava a mão no garoto silenciosamente e sussurrava orações antigas para que o garoto despertasse de um sono sofrido e doloroso.
- Este bastardo é o motivo de vocês, comandantes e generais de tribos saxônicas, estarem aqui hoje.
- Não estou entendendo Peledur – um dos homens presentes falou de maneira ansiosa – o que um prisioneiro de Aelle poderá nos dizer que vá nos convencer a unir nossas espadas as suas fileiras?
Peledur pareceu não se importar com a pergunta. Ele apenas olhava o cálice de prata em suas mãos parecendo admirar cada contorno talhado.
- O mestre Madras aqui presente, é um guardião de segredos antigos. O garoto foi submetido a rituais que nenhum de vocês irá entender, ele responderá a qualquer pergunta que souber. Qualquer homem de Aelle, jovem ou velho, é criado para não ceder a nenhum tipo de tortura, porém, esta noite, isso não irá caber a este porco – disse o homem jogando o resto da bebida no rosto do garoto.
Os senhores presentes na masmorra observavam cada movimento do velho que acariciava o garoto enquanto entoava cânticos de alguma língua desconhecida. O prisioneiro havia acordado e agora olhava confuso para a luz do archote preso acima de sua cabeça.
- Olhe para mim verme – disse Peredur dando um tapa no rosto do garoto que o fez despertar de seu devaneio – Diga, onde está Aelle, e quais são seus planos?
O garoto parecia alheio a pergunta que o homem lhe fizera, mas mesmo assim respondeu instintivamente com a voz rouca e cansada.
- O senhor Aelle partiu do norte com o restante dos generais – o garoto tossiu sangue sobre o peito magro e ferido – ele partiu para tomar Vassur, irá fazer da ilha o novo lar dos bárbaros.
Todos pareciam imóveis e incapazes de fazer qualquer comentário. Permaneciam calados e ouviam cada grunhido do jovem que falava com dificuldade.
- Aelle sabe algo sobre os Elandir? Sabe o que eu planejo? – Peredur perguntou novamente
- Meu pai me disse..que..durante um dos cons...elhos – o jovem agora não controlava as contrações pelo corpo. Contorcia-se enquanto Madras continuava com seus murmúrios – disse que Aelle sabe que Peredur fez renascer os Elandir. Ele falou que levará tempo para que Peredur volte a ter o poder que seu povo teve um dia.... ele disse que antes que isso aconteça, ele partira para a guerra, que irá subjugar o povo negro de uma vez por todas.....
Peredur ouvia a tudo atentamente. Não demonstrava nenhuma reação, apenas ouvia enquanto os homens presentes olhavam para ele a procura de uma luz.
- Qual o tamanho do exército bárbaro? Qual o tamanho do poder de Aelle?
- O exército bárbaro é de......3500 homens – o garoto cada vez mais fazia força para falar – Aelle não tem alianças, mesmo assim os povos livres não ousam desafiá-lo, nada se compara há um guerreiro bárbaro
Um dos senhores presentes, um homem pequeno com brincos de osso transpassando as orelhas, deu um gargalhada breve, contida somente por Akurius que desferiu um soco no rosto do homem que desabou sem reação.
- O senhor Peredur – disse o soldado – mandou que ficassem calados
- Como ousa uma ameaça dessas, pirata – berrou um outro homem de cabelos longos presos em um rabo de cavalo – somos senhores da guerra, líderes do povo saxão.
- Vocês não são nada – respondeu ele sacando a espada curta presa na bainha – são vermes de um povo decadente. Se ousarem interromper mais uma vez, vou matar todos, depois farei com que cada homem de suas tropas jure lealdade ao senhor Peredur, com ou sem sua aprovação.
Todos se calaram no mesmo instante, aquele homem tinha algo no olhar que gelava o sangue até mesmo de nobres como os homens que estavam na masmorra. Peredur sorriu satisfeito e voltou a atenção ao garoto.
- O Conselho dos povos livres não impediu Aelle de levar suas tropas a Vassur? – perguntou Peredur. O garoto não respondeu por um instante, apenas olhava a esmo, quando pareceu compreender a pergunta, olhou para Peredur com olhos opacos.
- Um mensageiro foi enviado a Aelle – respondeu devagar – eles não queriam que Aelle marchasse contra Vassur mesmo que fosse um povo formado por contrabandistas e piratas.
Peredur balançou a cabeça devagar.
- E mesmo assim Aelle foi à guerra....
- Sim – respondeu o garoto – Aelle não faz parte dos povos livres, muito menos segue sua leis e regras. Aelle precisava de um novo lar para o seu povo. Ele disse que aquela ilha era próspera demais para ser habitada por uma escória como aquela.
- Então não devastariam as fortalezas e nem os povoados? – agora quem perguntou foi Akurius
O garoto sofria com espasmos e não falava com facilidade. Madras estava fazendo o possível, mas era evidente que o garoto não sobreviveria por muito tempo.
- A invasão seria pacífica. Mulheres e crianças não seriam assoladas, e qualquer guerreiro que jurasse fidelidade ao exército poderia lutar ao lado de Aelle. O restante seria massacrado.

Isso era tudo o que o líder de um povo que tentava resurgir precisava para que o inicio de sua vingança tivesse sucesso. Saber dos planos de seu maior inimigo, aquele que há anos havia derrubado suas forças e terminado com uma campanha sangrenta por toda a terra livre era esssencial para formular seus planos de guerra. Peledur teria sua vingança, seu império de terror retornaria e agora não haveria ninguem que o impedisse.

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